Artigos Graciele Costa

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CASTRO, Nivalde José. "As Duas crises do setor elétrico brasileiro: a vertente financeira". Rio de Janeiro, IFE nº 1.086. Instituto de Economia-UFRJ, 07 de abril de 2003.

O Setor Elétrico brasileiro vem convivendo com uma crise que eclodiu com a constatação repentina, no Governo FHC (2001), de que a insuficiência de oferta teria que impor, à toda a Sociedade, os custos e prejuízos de uma política de racionamento. A evolução do Setor e desdobramento da crise configurou duas vertentes da crise que persistem, de forma crítica e potencial, até hoje. A primeira vertente da crise é financeira e de curto prazo. A segunda é a crise potencial da capacidade geradora e transmissora, de médio prazo (2006).

A crise de curto prazo é de natureza financeira e está afetando direta e incisivamente o equilíbrio econômico-financeiro das empresas concessionárias, em especial, no segmento da distribuição. Uma das causas que explicam a crise é que o racionamento reduziu a demanda e afetou o fluxo de caixa das empresas. Este problema, de cunho conjuntural, foi minimizado por uma linha especial de crédito aberta pelo BNDES. No entanto, o fim do racionamento passou a demonstrar que tinha ocorrido uma mudança da curva de demanda por eletricidade em todos os tipos de consumidores. Em suma, havia ocorrido uma alteração no padrão de consumo, cujas tendências e resultados ainda não estão totalmente definidos. O resultado é que a recuperação dos níveis de consumo pré-crise, ainda não ocorreram, fato agravado pelo baixo nível de crescimento econômico.

Seguindo esta linha analítica, as empresas teriam fortes argumentos para pressionar o governo com o seguinte argumento: uma política econômica adotada – racionamento - estaria corroendo o fluxo de caixa projetado. Com base nesta argumentação as empresas passaram a exercer pressões em duas direções. A primeira visando a implementação de um “tarifaço”. A Aneel passou a receber direta e indiretamente fortes pressões. O processo de revisão tarifária ordinária foi o primeiro alvo, em especial nos últimos momentos do Governo FHC. Entretanto, a Superintendência de Regulação Econômica da Aneel, prevendo que as pressões ocorreriam, a partir da experiência adquirida na revisão da Escelsa, desenvolveu estratégia para construção da metodologia para os inúmeros aspectos da revisão tarifária. Abriu licitação para consultorias nacionais e internacionais e grupos de pesquisa das melhores universidades do país, realizou seminários de avaliação e conseguiu formatar um conjunto de metodologias fundamentadas nas experiências internacionais com toques criativos de tropicalização aos modelos. Os aumentos que estão sendo previstos não se aproximam do ‘tarifaço’ almejado, mas indicam recomposição no fluxo de caixa no médio prazo.

Como este foco de pressão não apresentou os resultados esperados, mas reafirmando que a causa central da crise financeira está no racionamento, as empresas formularam proposta para uma nova linha de financiamento que englobaria todas as empresas do Setor. 8 bilhões de reais do Tesouro Nacional na forma de ações preferências com remuneração do IGP-m mais 6% a.a. Esta proposta por ser economicamente muito heterodoxa, e politicamente em desacordo com as práticas do atual governo, dificilmente será adotada, na integra, conforme adiantou a ministra Dilma.

Contra esta proposta pesa também uma segunda causa para a crise financeira do Setor: a hipótese de que os desequilíbrios das empresas estão diretamente vinculados à tomada de empréstimos externos. Esta parece ser a principal causa. Estudo realizado pela Economática para o Valor indicou que o peso do endividamento externo nos custos de uma amostra de empresas foi o principal fator de desequilíbrio econômico-financeiro apresentado nos balanços de 2002. Esta conclusão já tinha sido obtida pelo estudo da Standard & Poor's distribuído por esta lista. Por outro lado, e corroborando esta hipótese, estudo do Prof Maurício Tolmasquin, atual Secretário executivo do MME, chegou a conclusões indicativas, com base em levantamentos realizados nos anos anteriores a 2002. Este estudo indicou as empresas concessionárias tomaram empréstimos externos para investimento em atividades desvinculadas das suas atividades de concessão. Foram adotadas administrações temerárias, termo que tem sido muito utilizado pelo governo, como, por exemplo, pelo BNDES em relação ao caso AES.

Neste campo da crise, do desequilíbrio financeiro, é muito pouco provável que o governo haja segundo as sugestões propostas pelas empresas: “tarifaço“ ou “Proer.” Em especial porque a atual equipe do MME e das empresas públicas na se sente diretamente responsável pela crise. Ao contrário, esta equipe apresentou argumentos e estudo que previam um futuro de crise e de incertezas. Possivelmente não esperavam que a situação chegasse ao nível atual.Obviamente que o governo tem condições, interesse e necessidade de propor soluções para a crise. Contudo, e este é um elemento diferenciador em relação ao governo anterior, as propostas serão de cunho mais estrutural, sem que se penalizem, ainda mais, os consumidores residenciais. Nesta linha de ação estrutural, destaca-se a proposta de reestruturação tarifária sobre o segmento dos consumidores industriais, com um duplo objetivo: aumentar o fluxo de caixa das distribuidoras e ampliar a capacidade geradora instalada.

A crise potencial de médio prazo relacionado com geração e transmissão será analisada no próximo artigo, onde algumas das linhas analíticas aqui apresentadas serão retomadas, pois há uma forte interface entre a crise de curto prazo e a crise potencial de médio prazo.

 

Graciele Costa da Silva