Artigo Daiany Aparecida de Morais

A Crise Econômico-Financeira e os Impactos no Setor Elétrico Brasileiro


Nivalde José de Castro 
                                                                Roberto Brandão 
 
Rio de Janeiro, 7 de Novembro de 2008 
 
 
Introdução 
 
Em pouco tempo, a crise financeira iniciada nos EUA alastrou-se por todas as economias do mundo, em  uma reação em cadeia que exibiu uma face perversa da globalização econômica. As perspectivas e cenários macroeconômicos para os próximos anos foram revertidos num curto e rápido espaço de tempo, sem que existam ainda condições minimamente concretas de prever a duração e a profundidade da crise.  A crise nasceu no âmago de um sistema financeiro complexo, inovador e sem regulação rigorosa. Seguiu-se  a crise de liquidez que afetou a economia mundial: as desenvolvidas, emergentes e pobres no nosso pequeno planeta. 
 
O Brasil não poderia ficar imune a este processo de  contágio global, seguindo a mesma dinâmica verificada nos EUA. O primeiro impacto se deu sobre o lado financeiro. Redução das linhas de crédito bancário, a virtual paralisação do mercado de capitais, aumento do custo do financiamento, dificuldade crescente para a rolagem de dívidas e a apreciação do dólar.  
 
O segundo impacto, que veio em seguida, se deu sobre o setor real. Foi o contágio da crise no nível de atividade econômica e nas decisões de investimento. As conseqüências da crise sobre o lado real da economia tendem a continuar se propagando progressivamente em ritmo e profundidade ainda muito difíceis  de prever devido à complexidade das cadeias produtivas e dos mercados consumidores. A magnitude do impacto sobre o crescimento econômico irá depender de muitos fatores, mas o consenso é de que haverá desaceleração importante do ritmo de crescimento da produção no Brasil e uma postergação e retração de investimentos, com reflexos significativos para o nível de atividade de 2009. 
 
A questão que se coloca, e este é o objetivo central do presente estudo, é analisar a magnitude e o impacto sobre a demanda e oferta do setor elétrico brasileiro. Este impacto irá  causar desequilíbrios e desajustes no marco regulatório? No padrão de financiamento? No planejamento? Em que segmento do setor o impacto será mais significativo e visível?  
 
Para responder com um mínimo de consistência analítica a estas questões, o estudo está estruturado em quatro partes. Na primeira, serão examinadas as características  da crise financeira internacional, partindo do seu lócus de criação,  os EUA. A segunda parte trata da relação entre crise financeira e crise econômica. Na terceira, são analisados os impactos  da crise sobre a demanda de energia elétrica, focando em cinco exemplos. A quarta parte aborda os impactos da crise econômica na oferta do  setor elétrico, com destaque  planejamento. Por fim, são apresentadas as principais conclusões que indicam, grosso modo, que, dadas as características centrais do modelo de estruturação do setor elétrico brasileiro, não há riscos de desequilíbrio: o modelo tem capacidade de se ajustar frente à queda da demanda no curto prazo; os projetos de expansão ora em curso não estão ameaçados, uma vez que se  apóiam preponderantemente em linhas de financiamento do BNDES; e o alto nível de capitalização das empresas do setor aliado à disposição do Sistema Eletrobrás em formar consórcios asseguram que os investimentos que ora estão sendo planejados sairão do papel. 
 
Vale assinalar o caráter exploratório do presente estudo. Ele representa um esforço em buscar um mínimo de sistematização consistente para a análise qualitativa dos impactos da crise econômico-financeira sobre o setor elétrico brasileiro. Este estudo foi realizado como uma das atividades do Laboratório da Crise, espaço acadêmico que o GESEL criou em 3 de novembro de 2008 para analisar os possíveis impactos da crise econômica global e nacional sobre o setor elétrico. 
 
Crise Financeira Internacional 
 
A partir da quebra do banco de  investimento Lehman Brothers em meados de setembro de 2008, assistiu-se a um severo aprofundamento da crise dos mercados financeiros internacionais, cujo início ocorreu ainda em 2007 com problemas relacionados  com as dívidas de hipotecas americanas subprime.  A quebra de uma instituição financeira tradicional e de grande porte, em um contexto em que muitas das principais instituições financeiras dos países desenvolvidos experimentavam sucessivas perdas com a desvalorização de seus ativos, acarretou num colapso de confiança no sistema financeiro internacional, levando, em sua fase mais aguda, a uma paralisia de todos os principais canais de crédito. 
 
A reação à quebra do Lehman foi de pânico financeiro, destacando-se os seguintes movimentos:
 
i. Contração sem precedente da  liquidez em todos os mercados globalizados; 
ii. Fuga de investidores de ativo de risco; 
iii. Destruição de riqueza via queda das bolsas, do valor de mercado de títulos de dívida e, sobretudo nos EUA, do valor dos imóveis; 
iv. Virtual congelamento do financiamento para o comércio  internacional; e 
v. Brusca alteração nas cotações das moedas e nos preços relativos, destacando a queda das commodities.  
 
Os países emergentes, que até então vinham conseguindo manter-se à margem da crise, receberam um fortíssimo impacto derivado dos seguintes movimentos: 
 
i. Restrição a toda forma de financiamento, aliada a uma fuga de capitais em direção ao mercado de títulos públicos na moeda de reserva mundial, o dólar; 
ii. Desvalorização das moedas em relação ao dólar; e  
iii. Queda acentuada de valor das commodities exportadas. 
 
A reação dos governos dos países  desenvolvidos foi no sentido de garantir a solvência dos mercados  financeiros, através da injeção maciça de liquidez, do aporte de capital em bancos e da oferta de garantia soberana aos depósitos bancários. A ação coordenada dos países centrais, um dos elementos que diferencia esta crise da Crise de 1929, tende progressivamente a estabilizar os mercados financeiros internacionais, permitindo assim superar a fase aguda do pânico. No entanto, a crise financeira afetou  o lado real da economia, e o grau deste impacto e seus desdobramentos é que irá ditar o quanto o ritmo da atividade econômica irá cair e por quanto tempo. 
 
O suporte aos países periféricos veio por duas vias. Por um lado o FMI ofereceu socorro aos países em desenvolvimento que assistiram ao súbito colapso da capacidade de solvência externa. Por outro lado, o FED ofereceu linhas de  swaps de moedas para alguns selecionados Bancos Centrais de países considerados sólidos e estruturalmente importantes – Brasil incluído – garantindo liquidez em dólar e permitindo o fechamento ordenado de posições em aberto nos mercados de derivativos de câmbio ao redor do mundo. 
 
O agravamento da crise internacional, a partir da segunda metade de setembro, atingiu a economia brasileira principalmente através dos canais do crédito e do câmbio. A aversão ao risco em todo tipo de transação financeira envolvendo o sistema financeiro internacional fechou o acesso à liquidez em moeda estrangeira. Esta contração da liquidez provocou um processo rápido de desvalorização do real, que, por sua vez, causou forte impacto em agentes econômicos expostos ao câmbio. A necessidade de frear perdas relacionadas à exposição cambial reforçou a pressão de demanda por dólares com o objetivo de fechar as posições em aberto, contribuindo para o processo de desvalorização do real e reforçando a volatilidade do câmbio.  
 
Por outro lado, o ambiente de  crescente aversão ao risco, conceitualmente denominada por “preferência pela liquidez”,  provocou forte restrição na capacidade de captação de recursos nos bancos nacionais de menor porte. O Banco Central agiu de forma rápida e vigorosa, provendo liquidez para o sistema mediante: 
 
i. Diminuição dos percentuais de depósitos compulsórios; 
ii. Estímulo à compra das carteiras de crédito de bancos pequenos e médios; e  
iii. Provimento de liquidez ao mercado de câmbio. 
 
Outros instrumentos e decisões de política monetária buscaram reduzir as incertezas  no mercado financeiro  nacional e reduzir o impacto da crise financeira no setor real da economia: abertura de linhas especiais de crédito para agricultura, exportação, CDC de veículos, construção civil, etc. – e a manutenção da taxa básica de juros por decisão unânime da diretoria  do BC. No entanto, como se constatará a seguir, o impacto sobre  o lado real já está ocorrendo, a magnitude e duração são imprevisíveis, mas o reflexo imediato já se faz sentir através da desaceleração do crescimento da atividade econômica em alguns setores mais  expostos ao mercado externo e ao financiamento interno. 
 
A Crise Financeira e a Economia Real 
 
Dada a intensidade do impacto da crise em setembro e outubro de 2008 e do conjunto sem precedente de intervenções na economia global adotadas com o objetivo de mitigar  seus efeitos, é certo e consensual entre os especialistas de diferentes áreas, nacionalidades e matizes teóricas que se trata de uma crise que deixará marcas, em especial sobre o sistema financeiro internacional.  
 
Embora ainda seja impossível construir cenários macroeconômicos minimamente precisos, consistentes  e minuciosos para os próximos anos, não há a menor dúvida de que o lado real da economia será muito afetado. A retração das economias centrais será bem mais pronunciada do que havia sido anteriormente estimado, saindo-se da percepção, em voga até meados de 2008, de que haveria apenas uma desaceleração gradual. Agora não há mais dúvidas de que haverá uma recessão econômica de maiores proporções nos países desenvolvidos e que se estenderá para todas as economias. A crise irá impactar direta e negativamente o fluxo do comércio internacional, deprimindo os mercados e os preços das commodities. O contágio financeiro somado à quebra no ciclo de expansão do  comércio afetará  o lado real das economias emergentes que irão se deparar com uma desaceleração perceptível nas atividades produtivas. 
 
Mesmo tendo grandes reservas internacionais, contas públicas ordenadas e baixo endividamento em dólar, o Brasil não ficará imune aos reflexos e impactos negativos da crise mundial. Pelo lado financeiro, a oferta de crédito privado nacional e, mais ainda, em moeda estrangeira, permanecerá restrita e cara durante um tempo que será determinado pela duração do ajuste do sistema financeiro internacional e das economias centrais. O mercado de capitais brasileiro irá movimentar quantias substancialmente menores do que nos últimos anos. Convém destacar que, em 2007, o mercado de capitais chegou a movimentar recursos de longo prazo em volumes superiores aos oferecidos pelo BNDES, sobretudo através de lançamentos primários de ações na BOVESPA.  
 
No que se refere ao lado real da economia,  o setor exportador, em especial de  commodities, sofrerá diretamente os  efeitos da crise, tanto pela contração das vendas como, e  sobretudo, pela diminuição dos preços dos produtos no mercado internacional, tendo como fator de contraposição a desvalorização do real. Como conseqüência do ambiente adverso para o setor exportador, uma parte apreciável dos investimentos para ampliação de  capacidade ligada à produção e exportação de  commodities será necessariamente postergada. A soma destes dois vetores – diminuição das exportações3 e adiamento de investimentos - arrefecerá o crescimento do PIB e terá nítido reflexo negativo sobre a formação bruta de capital fixo. Especificamente em relação ao setor elétrico brasileiro – SEB –, ele será duplamente afetado: pelo lado financeiro e pelo lado real, conforme análise a seguir.  
 
Pelo lado financeiro, o impacto da crise se dará  pela redução do volume de recursos e piora das condições (prazos e juros) tanto para financiar novos investimentos, quanto, e principalmente, para a rolagem de dívidas das empresas.  O Setor Elétrico é intensivo em capital, tem projetos de longo prazo de maturação e trabalha com níveis de alavancagem elevados. A crise deve ter impacto no financiamento do setor elétrico no que diz respeito ao suprimento das necessidades de recursos de longo prazo fora do sistema BNDES. 
 
Para entender melhor esta dinâmica, deve-se recordar que os investimentos em novas usinas e linhas de transmissão são definidos a partir de leilões4. Cada nova usina ou linha de transmissão constitui uma SPE – Sociedade de Propósito Específico – que é financiada na modalidade  project finance. O BNDES oferece à SPE 60% ou mais das necessidades de recursos para os investimentos. 
 
Ao nível do Sistema BNDES não devem ocorrer restrições a estes créditos, pois a marco regulatório do setor elétrico tem se mostrado consistente e os recebíveis detidos pelos projetos de geração e transmissão são sólidos e não devem  ser afetados pela crise. Porém, com relação à parte dos recursos que deve ser  aportada pelos acionistas para viabilizar os projetos – cerca de 40%  do total – pode haver problemas. Os aportes de capital por parte dos acionistas se originam dos fluxos de caixa livres dos empreendedores. Ocorre, porém, que se os investidores encontram dificuldades para rolar suas dívidas atuais, pode se tornar difícil viabilizar o aporte de recursos próprios em novos projetos. Esta parte do financiamento do investimento costuma ser viabilizada seja no sistema bancário (empréstimos pontes, garantias), no  mercado de capitais (debêntures, fdic’s, lançamentos primários de ações), ou no mercado internacional, via lançamento de títulos no exterior.  
 
Em um momento de restrição de liquidez como o atual, as empresas são pressionadas a se tornarem menos alavancadas, o que resulta em menor disponibilidade de recursos  para investir. Isto pode trazer dificuldades para o aporte de  recursos em projetos, gerando oportunidades de negócios para fusões e aquisições: grupos mais capitalizados talvez sejam chamados a entrar em empreendimentos com investimentos em curso. Por outro lado, neste momento de restrições à liquidez, um fator determinante para a participação de empresas nos leilões de energia nova e de linhas de transmissão será o grau de alavancagem atual dos  empreendedores. Empresas pouco endividadas certamente têm vantagens competitivas. Também merece assinalar que a crise de liquidez está colocando o BNDES em uma posição de destaque, pois se trata de um instrumento estratégico que o governo detém para se contrapor à desaceleração do crescimento do PIB. Neste momento, é seguramente uma vantagem competitiva do Brasil contar com financiamento ao investimento através de um banco público,  que capta recursos e concede empréstimos dentro de uma lógica que está parcialmente isolada tanto do sistema bancário privado como do mercado de capitais. Com a retração do mercado de capitais e  dos investidores internacionais, o BNDES será fortemente pressionado a apoiar mais setores ou negócios que em outras circunstâncias  conseguiam viabilizar seus financiamentos sem apoio público. Como os recursos disponíveis para o banco são limitados, o BNDES poderá ser obrigado a ser mais seletivo. No entanto, a prioridade  aos projetos do SEB será mantida, por se tratar de um dos mais estratégicos dentre os setores de infra-estrutura, e justamente aquele  que detém um marco consolidado e consistente. 
 
 
 Impactos sobre a Demanda de Energia Elétrica 
 
A provável desaceleração do PIB resultante da crise econômico-financeira terá impactos sobre o  setor elétrico. De acordo com os manuais de economia da energia, o PIB é a variável independente que determina o nível de consumo de energia elétrica da economia, seja na produção de bens e serviços, seja no consumo das  famílias. Como a crise está provocando  uma desaceleração no ritmo de crescimento da atividade econômica nacional, que tende a se agravar por conta do efeito multiplicador negativo inter empresas, deverá necessariamente ocorrer uma redução na taxa de crescimento do consumo de energia elétrica.  Vale destacar que o consumo de energia elétrica já antes da crise vinha crescendo a taxas menores do que  as projetadas, especialmente no segmento industrial, fazendo com que as projeções de carga para os próximos anos fossem revistas para baixo de acordo em um estudo publicado no início de outubro pela EPE e ONS (2008). Esta redução é em boa medida fruto do aumento das tarifas no mercado livre e da escassez de energia disponível para contratação no longo prazo para a indústria. A elevação dos preços e a dificuldade de firmar contratos de longo prazo geraram um esforço por  maior eficiência  energética por parte das indústrias e à proliferação de projetos de co-geração.   
 
 
Um primeiro delineamento do impacto da desaceleração do PIB sobre o consumo de energia elétrica centra-se no seguinte argumento analítico. O setor industrial, que representa pouco menos que a metade do consumo total de eletricidade, será direta e imediatamente afetado pela crise, sendo o primeiro responsável pelo arrefecimento na demanda de energia elétrica. Já o  consumo doméstico, residencial, responsável por quase um quarto do consumo total de energia elétrica, deve ser relativamente menos afetado pela crise e provavelmente não o será de imediato.  
 
Neste sentido, a preocupação analítica sobre os impactos da crise no SEB deve se focar no comportamento do setor industrial. Nos termos do presente estudo, e ainda de forma qualitativa, exploratória e identificadora de tendências, serão examinados, além do consumo familiar, quatro segmentos industriais: empresas eletro-intensivas, sobretudo as voltadas para exportação, indústria automobilística, produtores de bens de consumo duráveis e construção civil. 
 
 Eletro-intensivas 
 
Dentre as indústrias exportadoras que serão diretamente afetadas pela crise, devem-se destacar aquelas que são eletro-intensivas, principalmente as produtoras de bens intermediários de metalurgia: ferro-gusa, aços planos, alumínio, níquel, etc. Como estes bens intermediários são produzidos  por um conjunto relativamente pequeno de empresas e determinam  um alto volume de consumo de energia elétrica, a queda da demanda externa e a conseqüente redução da produção terão impactos direto, imediatos e de tênue recuperação do consumo de energia elétrica.  
 
Um exemplo pontual e atual desta tendência de reversão brusca da atividade produtiva é dado pelo grupo Vale. Em 31 de outubro de 2008 a Vale tomou uma primeira decisão, e certamente não será a última, de reduzir a produção de minério de ferro em 30 milhões de toneladas, o equivalente a 10% da produção anual. Decidiu também reduzir a fabricação de pelotas, manganês,  ferro-liga no Brasil e em algumas subsidiárias localizadas no exterior. E como melhor exemplo de eletro-intensivo, a Valesul, empresa do grupo localizada no Rio de Janeiro, e que produz alumínio, reduzirá a produção em 60%. ( SOARES, 2008) 
 
Por conta das características eletro-intensivas das empresas/grupos deste segmento, elas estruturam  sua demanda de energia elétrica através de um mix de autoprodução e contratos no mercado livre (ACL). Até agosto de 2008 verificava-se neste mercado uma forte pressão sobre tarifas e insuficiência de abastecimento, já que as necessidades de energia adicional para atender aos programas de expansão industrial acirravam a concorrência pela contratação de eletricidade. Com a abrupta reversão das expectativas do nível de atividade e consequentemente dos projetos de expansão das indústrias eletro-intensivas, é dada como certa uma sensível diminuição da pressão destas empresas pela contratação de eletricidade no mercado livre, com reflexos diretos de queda dos preços praticados.  
 
Pode-se trabalhar, portanto, com a perspectiva de menor estresse na negociação de contratos de fornecimento para consumidores livres. Isto deve contribuir para que os principais pleitos dos agentes deste mercado – participação dos consumidores livres e autoprodutores em leilões de energia nova junto com o mercado cativo e a criação de um mercado secundário para contratos de energia – possam ser estudados e introduzidos na regulamentação do setor com tranqüilidade e objetividade. As autoridades governamentais do SEB não deveriam perder esta oportunidade ímpar de criar um  marco regulatório mais consistente para o mercado livre, evitando, principalmente, as contratações ex post, ou seja, depois do consumo ter sido realizado. Há o risco de esta prática de contratação ex post voltar a ocorrer, em função da sobra de energia derivada da  crise e da conseqüente redução dos preços neste mercado.   
 
 Indústria Automobilística 
 
A indústria automobilística vinha  aumentando a produção em taxas elevadas, de dois dígitos ao ano, em grande medida apoiada nas linhas de crédito direto ao consumidor com até 72 meses de prazo, juros baixos para padrões brasileiros e, em alguns casos, dispensando o pagamento de entrada. Com a crise financeira, as condições de financiamento ao consumidor se  tornaram rapidamente muito menos favoráveis para os compradores. A restrição de crédito fará com que a produção de veículos recue fortemente. Com isto, o consumo (industrial) de energia elétrica por parte de montadoras, produtoras de autopeças e do restante da cadeia de fornecedores também deve se retrair ou parar de crescer. 
 
Os reflexos da crise já se fizeram sentir de forma clara. A produção de veículos em outubro de 2008 apresentou redução de 11% em relação ao 
mês anterior, segundo dados apurados pela ANFAVEA. O governo federal, para mitigar  o impacto da crise de  demanda, abriu linha especial de crédito para viabilizar a normalização da liquidez no financiamento a veículos. Mas a retomada deve se dar em condições distintas das praticadas no período pré-crise: juros maiores, prazos menores e pagamento de entrada  substancial. Com condições de crédito menos convidativas e um  ambiente econômico que abala a confiança dos consumidores, é  seguro prever que ocorrerá desaceleração da produção e o protelamento de novos investimentos, resultando, para o SEB, em uma desaceleração no consumo de energia elétrica. Outro fator que pode inibir a indústria automobilística é uma possívelcrise no  sistema de financiamento. Trata-se do descolamento entre o valor do veículo e do financiamento. Há indícios de inadimplência e busca de entrega do veículo ainda sob financiamento. Se esta tendência se concretizar, será mais um fator de desestímulo à produção de novos veículos. 
 
 Bens de Consumo Duráveis 
 
A indústria de bens de consumo duráveis influenciará o consumo de energia elétrica por dois vetores. O primeiro deles, e mais importante, será a queda no ritmo de vendas pela restrição do crédito ao consumidor, com destaque para a linha branca de maior valor unitário. Aqui o fenômeno é o mesmo que se verifica na indústria automobilística. As vendas estão associadas à oferta de crédito e ao parcelamento, cujo melhor exemplo é o das Casas Bahia. Como prazos e juros tendem a se acomodar com parâmetros menos favoráveis, deve diminuir o universo de consumidores dispostos a comprar. Assim a retração nas vendas tenderá a levar à diminuição da produção dos bens e, conseqüentemente, do consumo de energia elétrica ao longo de toda a cadeia produtiva. 
 
O segundo vetor de impacto da indústria de bens de consumo sobre a demanda de eletricidade se dá pelo padrão de consumo residencial de energia elétrica. A diminuição da velocidade de expansão da penetração de alguns eletrodomésticos deve acabar se refletindo na dinâmica do consumo familiar. Como o acréscimo marginal destes bens sobre a base existente é pequeno, o impacto sobre o consumo de energia elétrica residencial deverá ser pouco pronunciado no curto prazo, mas persistente. 
 
 Indústria de Construção Civil
 
A piora na liquidez do sistema financeiro nacional também deve refrear a expansão do setor da construção civil. Os cenários de expansão desta indústria eram muito promissores e a colocavam como uma das locomotivas do processo de aceleração da formação bruta de capital fixo – FBKF. Para melhor avaliar estes impactos deve-se diferenciar a construção residencial da construção civil pesada.   
 
Em relação à construção civil residencial, a restrição financeira age menos sobre o financiamento ao consumidor,  que é feito sobretudo com recursos direcionados do sistema bancário, e mais sobre o crédito ao capital de giro das incorporadoras, que demandam grandes volumes de recursos na fase de construção dos empreendimentos. Por outro lado, o clima de menor otimismo dos consumidores também deve refrear as intenções de compra de imóveis financiados em prazos longos, contribuindo para esfriar as vendas. 
 
O segmento da construção civil pesada, responsável pelas obras do setor industrial deverá ter uma desaceleração menor,  em especial as obras relacionadas com o PAC, cujos empreendimentos, de acordo com orientação do governo federal, não devem ser paralisados.  
 
Mais do que o efeito direto sobre o consumo de energia, a retração do setor de construção tem reflexos nas indústrias produtoras de insumos: cimento, aço, alumínio, vidro e outros materiais para construção. Além disso, os efeitos de uma eventual retração do setor de construção sobre o nível de (des)emprego tendem  a ser importantes, com reflexos diretos sobre o consumo das famílias. 
 
Exemplo das dificuldades está na indústria de cimento. Ela já sentiu os impactos da crise. Em outubro de 2008, frente ao mesmo mês de 2007, a produção cresceu 7,2. Mas comparando outubro de 2008 em relação a setembro já se verificou uma queda de 1,4%. O governo federal, dentro dos princípios de uma política anticíclica, abriu linhas de crédito para as empresas poderem financiar capital de giro.  
 
O Consumo familiar 
 
Finalmente, crise econômica deve  ter impactos sobre o consumo de energia elétrica pela desaceleração da taxa de crescimento da renda das famílias. Em relação a esta variável – consumo familiar – deve-se considerar que o impacto da crise na renda das famílias brasileiras será maior se a redução no crescimento do PIB for mais profunda e duradoura. De todo modo, é dado como certo que o aumento do endividamento das pessoas físicas, que foi um dos principais motores do crescimento econômico recente, deve perder força, diminuindo assim a contribuição do consumo das famílias para o aumento do PIB. Entretanto, o cenário base para o consumo familiar é de desaceleração sem uma retração absoluta. O consumo familiar deve encontrar suporte nos seguintes fatores: 
 
i. Manutenção pelo governo federal da política de aumento real do salário mínimo. 
ii. Manutenção dos programas sociais, em especial da “Bolsa Família”. 
 
A taxa de desemprego provavelmente avançará nos próximos meses, mas em níveis relativamente pequenos em razão dos efeitos das políticas anticíclicas. Um fator que pode vir a agir como elemento de restrição do consumo das famílias é uma possível aceleração da inflação. A inflação corrói, em primeiro lugar, o poder de compra da população. Mas se ela vier acompanhada da adoção de uma política monetária mais restritiva pelo Banco Central, o efeito sobre a renda e o emprego pode ser forte. A trajetória futura da inflação e as medidas que terão que ser tomadas para controlá-la é um tema controverso, que tem dividido os analistas. A rápida desvalorização do real ocorrida a partir de fins de setembro aponta, sem dúvida, para um aumento de preços no curto prazo. Porém, a alta do dólar veio acompanhada de uma deflação do preço das commodities em dólar, o que diminui (mas não elimina) o efeito da variação do câmbio sobre os preços. Além disso, as restrições de liquidez na economia brasileira, a retração das atividades dos setores exportadores e a protelação de diversos projetos de investimentos, compõem um quadro de desaceleração econômica que  tende a conter demanda e, com isto, a propagação do efeito inflacionário da desvalorização do real. Assim sendo, no contexto da crise atual, o esforço que o Banco Central terá que fazer em termos de aumento de taxa de juros para obter a convergência da inflação para a meta parece, em princípio, pequeno. Alguns analistas argumentam inclusive que, caso o quadro recessivo se agrave, seria possível reduzir os juros internos para reforçar a política econômica anticíclica sem impacto pronunciado sobre a inflação. 
 
No curto prazo, para o ano de 2009,  o cenário mais provável é que a demanda de eletricidade da classe  de consumo residencial desacelere, mas de forma menos acentuada que  a demanda da classe industrial. Pode-se assim esperar a manutenção, se não um aumento, da diferença na taxa de crescimento do consumo industrial e do consumo residencial/comercial, que já vinha se manifestando ao longo de 2008. 
 
 
A Crise e oferta do SEB  
 
O objetivo desta seção é examinar o  atual modelo de estruturação do SEB, denominado por Castro (2005) como Modelo de Parceria Estratégica Público-Privado. Parte-se da hipótese de que este modelo tem condições de suportar uma desaceleração da demanda de energia elétrica sem gerar desequilíbrios no médio e longo prazo. Neste sentido, será verificado se o planejamento pode realizar os ajustes e se elepode ou não garantir os investimentos programados e vinculados aos leilões já realizados e por realizar, principalmente para os leilões de energia nova e dos novos lotes de linhas de transmissão. 
 
Uma queda da demanda de energia elétrica não prejudica e desequilibra o Modelo criado a partir de 2003 para SEB. A regulação, o planejamento, o financiamento e operação do sistema são capazes de resistir adequadamente a uma situação adversa em termos de menor demanda. Assim sendo,  a desaceleração do PIB diminuirá o ritmo de crescimento da demanda de energia elétrica, mas esta redução não compromete os fundamentos e o equilíbrio do Modelo. Em realidade, e dada as circunstâncias atuais  pré-crise, um crescimento mais moderado da demanda de energia elétrica gera, no curto prazo, três fatores positivos.  
 
O primeiro é a melhora nas condições de operação do sistema elétrico, sob responsabilidade do ONS. A queda da demanda e a conseqüente folga para a operação tendem a facilitar a consolidação da proposta, inovadora e eficiente, de introduzir  níveis meta para os reservatórios ao fim da estação seca (novembro). Esta medida foi formulada e aplicada pelo ONS em função da  experiência de novembro 2007 a março 20085, quando, devido à baixa pluviosidade no início do período úmido, houve o cruzamento da Curva de Aversão ao Risco, com o conseqüente despacho simultâneo de todas as termoelétricas, mesmo as mais caras dentre elas.  
 
Com a diminuição da demanda, a manutenção de níveis confortáveis de armazenamento nos reservatórios poderá ser feita com um menor nível de despacho das usinas termoelétricas, diminuindo os custos da geração, que, pela regulamentação atual, são pagos através de um encargo específico. Obviamente, isto irá depender, como sempre, do nível de precipitações do período úmido. No entanto, vale a premissa de que com menos carga em função da desaceleração do PIB, o sistema elétrico ficará mais confiável, relativamente menos exposto ao risco hidrológico e terá menores custos operacionais. 
 
O segundo fator positivo, analisado  anteriormente, está diretamente vinculado à queda brusca da produção dos setores produtivos eletro-                                              intensivos, sobretudo os voltados  para o comércio externo. Com a retração econômica mundial, em especial das  economias mais desenvolvidas, mas também com a desaceleração de países emergentes importantes como a China, a venda de bens intermediários cai, provocando redução do consumo de  energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre – ACL. No terceiro trimestre de 2008 esta retração dos setores produtores de bens intermediários para exportação está se dando de forma abrupta, o que diminui a pressão sobre os preços deste mercado e também sobre as restrições na disponibilidade de contratos que vinham sendo enfrentadas pelos consumidores livres, sobretudo desde janeiro de 2008.  
 
O terceiro fator positivo é o impacto sobre a matriz elétrica e sobre a contratação de energia nova pelo Ambiente de Contratação Regulado – ACR – já a partir dos leilões de A-3 (energia para 2012) e A-5 (energia para 2014) de 2009. Como a demanda de energia elétrica projetada para 
o futuro deve sofrer redução, as  empresas distribuidoras tendem a contratar menos energia nos próximos leilões de energia nova. Esta redução será tanto maior quanto  mais duradora e profunda for a desaceleração econômica. Partindo desta linha de argumentação, talvez seja possível conter a deterioração  da qualidade da matriz de geração verificada nos leilões A-3 e A-5 de 2007 e 2008, que contrataram grande número de usinas movidas a óleo  combustível e GNL, com alto custo variável de geração, como pode ser constatado pela tabela abaixo. 
 
Como a demanda de energia elétrica criará uma folga em relação à oferta existente e que será disponibilizada nos próximos anos, as autoridades públicas setoriais deveriam priorizar os empreendimentos: hidroelétricos (Belo Monte, p. ex), de energia renovável (biomassa e eólica) ou, em último caso, usinas térmicas para geração na base, como o carvão6. Esta poderia ser uma política para evitar o que foi denominado por Tolmasquim (2008).  Trata-se do efeito kafikiano da metamorfose aplicado ao SEB. Esta analogia tem  como base o fato do Brasil ter um dos maiores potenciais hidroelétricos do mundo e em dois anos contratou a construção de 6,8 GW de UTE a óleo, por conta de uma política ambiental Kafikiana. O resultado do último leilão A-5 foi tão estranho que foi duramente criticado pelo próprio presidente da Associação das Empresas Geradoras Termoelétricas (VIEIRA, 2008).  Neste sentido, mereceria ser estudada a possibilidade de realização de leilões por fontes, na mesma linha  da experiência bem sucedida do leilão de reserva para biomassa realizado em 2008. Seria uma forma de abrir uma janela de oportunidade, por exemplo, para a energia eólica e fugir da armadilha de custo e de  poluição das usinas a óleo que entraram com força nos quatro últimos leilões. 
 
Na direção de convergir para o fortalecimento da matriz elétrica “jabuticaba”, ou seja matriz que  explora o potencial hidroelétrico, merece destaque o esforço desenvolvido pela EPE na contratação de grande quantidade de estudos  de aproveitamento das bacias hidrológicas. Na medida em que  estes estudos sejam concluídos – indicando e consolidando maior integração entre o setor elétrico e a regulação ambiental brasileira – o Brasil disporá de um portfólio de novos empreendimentos hidroelétricos que serão usados gradativamente nos próximos leilões de A-5, tendendo a reverter o quadro configurado com os leilões de 2007 e 2008.  
 
 
Um problema que merece atenção analítica é sobre a probabilidade de sucesso ou insucesso dos futuros LEN e leilões de linhas de transmissão. Conforme já assinalado, a indústria de energia elétrica é intensiva em capital e tem longo prazo de maturação. No atual padrão de financiamento, construído a partir do Modelo de Parceria Público-Privada e assentado em um consistente marco regulatório, o BNDES tem uma posição decisiva no tocante à oferta de crédito de longo prazo em volume e condições vantajosas  em relação ao que prevalece no mercado financeiro nacional. Quanto a este aspecto, há uma nítida diferença em relação a outros setores da economia, que ficam mais expostos à crise de liquidez. No entanto, dado o volume dos investimentos exigidos para as principais obras do SEB, há uma possibilidade não remota, de haverem dificuldades para a formação de consórcios. Por exemplo, as garantias exigidas para entrar nos leilões são relativamente elevadas. Além disso, as restrições no mercado de capitais e as dificuldades para a  rolagem de dívidas podem reduzir a disponibilidade de recursos para investimentos, mesmo em um setor que, como o elétrico, trabalha com  contratos de longo prazo e receitas indexadas à inflação. 
 
Os resultados do leilão de concessões rodoviárias realizado pelo governo de SP em outubro, no meio da crise, onde todos os lotes foram arrematados parece um precedente favorável. No entanto, este leilão não serve de parâmetro comparativo para o próximo leilão dos grandes lotes de linhas de transmissão para o escoamento da energia do rio Madeira com investimentos estimados em R$ 7 bilhões a serem realizados em dois anos. O principal desembolso  do leilão das rodovias, o pagamento pela concessão no valor de R$ 3,4 bilhões será em 18 meses. Mas já no sexto mês pós-assinatura do contrato, os consórcios vencedores já estarão  tendo receitas com cobrança nos pedágios. Além disto, a receita será com base em um valor de pedágio bem mais elevado do que prevalece atualmente nas mesmas rodovias, o que se mostrou um grande atrativo para os investidores. O governo de SP usou como estratégia para atrair investidores e garantir o sucesso do leilão fixar um preço-teto bem acima do que é atualmente pago nos pedágios, criando uma falsa impressão de ter ocorrido deságio. Mesmo assim, o leilão teve menos participantes e menor concorrência do que havia sido verificado no leilão de concessões rodoviárias federais de 2007 (Ver CASTRO & BRANDÃO, 2007). Destaca-se no leilão de concessões rodoviárias do Estado de S. Paulo a fraca participação de empresas  internacionais, mais duramente atingidas pela crise  de crédito: nenhuma  empresa de engenharia espanhola deu lances no leilão. Este fato pode se repetir nos leilões das linhas de transmissão do rio Madeira em função da ordem de grandeza dos investimentos e da piora das condições de oferta de crédito.  
 
Assim sendo, em relação ao SEB os leilões de energia nova e linhas de transmissão podem encontrar dificuldades, sobretudo na participação de investidores internacionais  ou de agentes econômicos com endividamento relativamente elevado. Para superar estas limitações o governo federal pode fazer uso de três instrumentos. 
 
O primeiro relaciona-se com o preço-teto. De acordo com a análise pretérita, os empreendedores irão enfrentar um mercado financeiro mais adverso em termos de custos,  na parcela fora do BNDES. Este custo financeiro maior irá refletir  e impactar, para cima, o custo final do empreendimento. O mecanismo de ajuste que o   governo federal detém é o de aumento do preço-teto. Nesta direção devem-se esperar resultados nos leilões bem próximos do preço-teto. O leilão de A-5, realizado dia 30 de setembro, no fragor da crise financeira internacional, já sinalizou nitidamente está nova tendência, pois praticamente não houve deságio. 
 
O segundo instrumento é ampliar as condições de financiamento, o mais importante através do BNDES, permitindo financiar empréstimo ponte, importação de equipamentos e crédito para curto prazo. O próprio Banco do Brasil e Caixa Econômica podem fazer parte destas melhorias.  
 
O terceiro é um instrumento estratégico de política energética que o governo federal detém e é um fator determinante para  garantir o sucesso dos leilões - sucesso  em termos de que todos os empreendimentos que forem colocados em leilão sejam arrematados. São as empresas do Sistema Eletrobrás. Esta estratégia está dentro da lógica e dos fundamentos do Modelo de Parceria Estratégica. A holding e as empresas controladas podem agir como agentes catalisadores e dinamizadores para  a formação dos consórcios. Esta é uma forma simples e segura que garante a realização dos empreendimentos e investimentos  envolvidos nos leilões. Como a atual conjuntura financeira implica na perda de capacidade de alavancagem dos grupos privados, sejam nacionais ou estrangeiros, a Eletrobrás pode ser utilizada como o instrumento para garantir e realizar os investimentos necessários. 
 
Um papel mais ativo das  estatais em novos projetos de investimento depende da alteração ou da flexibilização de algumas das condições que atualmente são impostas à participação da Eletrobrás e das empresas estatais estaduais nos leilões. Por exemplo, a montagem de consórcios envolvendo empresas estatais é dificultada pela proibição de aval ou fiança para empréstimos e financiamentos em empreendimentos que não sejam cem  por cento estatais. Faria todo o sentido proibir uma estatal de oferecer garantias cobrindo uma parte dos financiamentos mais do que  proporcional a sua participação acionária, pois isto implicaria em garantir empréstimos que são de responsabilidade de terceiros. Mas a proibição pura e simples de oferecer garantias em consórcios  cria uma dificuldade desnecessária para estruturação de parcerias. Além disso, atualmente quando a Eletrobrás ou qualquer outra estatal detém uma posição majoritária em um consórcio, o acesso às linhas de financiamento do BNDES deixa  de ser automático, ficando condicionado a uma aprovação formal por parte do Conselho Monetário Nacional. Vale assinalar que a nova legislação  da Eletrobrás, conforme assinalado por Castro e Gomes (2008), permite que ela ou suas controladas detenham participação majoritária nos consórcios. A limitação do acesso de empresas estatais aos empréstimos do BNDES  foi retirada para as obras do PAC, mas poderia  ser ampliada para outros empreendimentos a fim de garantir o sucesso dos leilões.  
 
Conclusão 
 
A crise financeira e econômica iniciada nos Estados Unidos, país central do capitalismo mundial, foi exportada para todo o mundo e o Brasil não tinha como ficar imune a  ela. A tese de descolamento dos BRIC´s em relação aos países centrais foi rapidamente superada, demonstrando o grau de integração e vinculação entre todas as economias, marca do próprio processo de globalização. Pelos fundamentos da econômica brasileira espera-se que os impactos não sejam tão profundos e duradouros como nos países centrais, ou como em países emergentes com pior situação nas contas externas. O cenário base é de uma diminuição sensível – desaceleração - do crescimento do PIB, mas sem retração significativa do mercado interno. O governo irá adotar nesta crise uma postura anticíclica, preservando os principais investimentos e agindo para impedir uma retração abrupta do volume de crédito. O fato de em 2010 ocorrerem eleições presidenciais é uma variável que deve ser considerada, na medida que irá nortear as políticas anticíclicas. 
 
Dada a correlação direta e dependente da demanda (e oferta) de energia elétrica em relação ao  PIB, haverá desaceleração do crescimento do consumo de energia elétrica. No entanto, o setor elétrico brasileiro detém hoje  um modelo de estruturação e funcionamento que permite absorver uma eventual sobra de oferta sem maiores transtornos. 
 
Em realidade, a queda de demanda irá diminuir a pressão que se vinha verificando no mercado livre. Além disto, a maior folga na operação do sistema elétrico permitirá a manutenção de níveis mais confortáveis para os reservatórios, com menor despacho de térmicas e menor custo de operação pela adoção dos níveis  meta para os reservatórios. Isto será uma contraposição bem vinda ao efeito da desvalorização do câmbio sobre as tarifas derivada do aumento em reais da energia de Itaipu e impacto de uma provável  alta do IGP-M sobre os reajustes tarifários.  
 
Em relação ao planejamento, a redução da demanda dará condições para que os leilões se tornem  mais seletivos, aumentando a participação percentual da contratação de usinas hidroelétricas, à biomassa e mesmo de energia eólica, dando à matriz elétrica uma formatação mais“jabuticaba”, que  ela vinha perdendo nos leilões de A-3 e A-5 de 2007 e 2008. 
 
Finalmente, cabe destacar que os grandes projetos do setor elétrico ora em curso devem ser mantidos, contribuindo para a política anticíclica do governo. Nestes termos, pode-se concluir que o SEB não será um problema na crise, mas sim um dos vetores de reversão da crise.  
 
Bibliografia 
 
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CASTRO, Nivalde José de; BRANDÃO, Roberto; BOTELHO, Felipe; GOLDENBERG, Paula. A “Crise” do Setor Elétrico Brasileiro de 2007-2008.  Seminário Internacional: Dos Modelos à realidade dos mercados de electricidade: UE e Brasil. Porto. Faculdade de Economia do Porto - Universidade do Porto. 28 e 29 de janeiro de 2008 
 
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TOLMASQUIM, Mauricio. Nem Kafka iria imaginar. Rio de Janeiro. Agência Canal Energia, 07/10/2008 
 
VIEIRA, Xisto.  Leilão A-5 – uma análise sucinta. Rio de Janeiro. Agência Canal Energia. 2 de outubro de 2008. 
 
 
 

 

Disponível em: https://www.nuca.ie.ufrj.br/gesel/artigos/081107_CastroBrandao_CriseImpactosSEB.pdf

 

 

Por Daiany Aparecida de Morais